Aline Menezes
Universidade de Brasília
Resumo: Este artigo apresenta reflexões iniciais sobre a poesia de Sylvia Plath, considerando alguns estudos da produção de sua autoria. O objetivo é apontar elementos constitutivos do trabalho poético da escritora norte-americana – ainda conhecida muito mais pelos dramas de sua vida e pela tragédia de sua morte do que pela sua poesia – e discutir o método utilizado por Plath para a construção de seu projeto literário, na condição de mulher que revela a voz individual e particular da artista, inscrita em um mundo onde a fala feminina parece sempre estar sufocada. Para este trabalho, portanto, iremos nos orientar com base na leitura e interpretação de poemas selecionados do livro Ariel.
Palavras-chave: literatura, estudos de gênero, poesia feminina, voz poética.
Abstract: This article presents initial reflections about Sylvia Plath’s poetry, considering some studies about her production. The objective of this paper is to point constituent elements inside the poetic work of the American writer – still known more by the dramas of her life and the tragedy of her death rather than her poetry – and to discuss the method used by Plath to build her literary project over the condition of women, which reveals the individual content and particularly the artist’s voice, registered in a world where the female speech always seems to be stifled. For this work, thus, we will orient ourselves based on the reading and interpretation of selected poems of the book Ariel.
Keywords: literature, gender studies, women’s poetry, poetic voice.
Minicurrículo: Aline Jesus de Menezes é jornalista, mestre em Literatura e Práticas Sociais e doutoranda na mesma área pelo Programa de Pós-graduação em Literatura (PósLit) da Universidade de Brasília (UnB), sob a orientação da professora dra. Cíntia Schwantes. Com experiência docente nas disciplinas de Literatura Brasileira, Estudos Literários, Língua Portuguesa, assim como Leitura e Produção de Textos, atualmente pesquisa na linha de estudos de gênero, crítica literária feminista, escrita de autoria feminina e literatura contemporânea.
SYLVIA PLATH E A VOZ INDIVIDUAL FEMININA NA ESCRITA E NA LITERATURA
Aline Menezes
Universidade de Brasília
(…) a vida é solidão…
Sylvia Plath
Na conhecida obra de crítica literária feminista The Madwoman in the Attic: The Woman Writer and the Nineteenth Century Literary Imagination1, publicada em 1979, as autoras Sandra Gilbert e Susan Gubar analisam escritoras do século XIX que conquistaram um lugar na literatura, até então predominantemente masculina e patriarcal. Para Gilbert e Gubar, as narrativas de Jane Austen, Emily Dickson e as irmãs Brontë, por exemplo, evidenciam a experiência de opressão vivida pelas mulheres dos séculos anteriores:
(…) se as mulheres contemporâneas tentam pegar a caneta com energia e autoridade, elas só podem fazê-lo porque suas predecessoras dos séculos dezoito e dezenove lutaram em um isolamento que parecia uma doença, alienação que parecia loucura, obscuridade que parecia paralisia, para superar a ansiedade de autoria que era endêmica em sua subcultura literária (GILBERT e GUBAR, s/n).
A ansiedade de autoria à qual Gilbert e Gubar fazem referência no ensaio é parte da vivência de escritoras que se sentiam aprisionadas em um universo que – de vários modos – silenciava suas vozes, reprimindo-as. Não por acaso, Virginia Woolf escreveu em Um teto todo seu sobre a necessidade de que mulheres escritoras tivessem espaço no qual elas pudessem, finalmente, dedicar-se ao trabalho de escrever ficção. Liberdade econômica, inclusive, é relevante para esse processo de empoderamento feminino e artístico.
A hipótese aqui é de que – na obra de Sylvia Plath – é possível compreendermos como a poetisa apropriava-se do ato de escrever como forma de resistir às imposições de um mundo onde a fala feminina parece sempre estar sufocada e no qual essa ansiedade de autoria revela o seu trabalho poético na mais completa manifestação de sua experiência e identidade literárias:
Seu esforço literário para encontrar sua voz, ainda que para isso fosse preciso modulá-la ao sabor dos perfis impostos pelo mercado editorial de sua época, sem dúvida contribuiu para que ela fosse pouco a pouco construindo uma identidade literária distinta, cuja presença haveria de chegar, inconfundível, até os dias de hoje, sobretudo na constante mistura que realiza entre os modos poéticos e narrativos (CARVALHO, 2003, p. 46).
O processo de construção dessa identidade literária na obra plathiana apresenta-se de maneira bem particular. Para Ana Cecília Carvalho (2003), autora do livro A poética do suicídio em Sylvia Plath, a poetisa concentrou o seu esforço na “tentativa de transformar seu mundo subjetivo em material literário” (p. 168). Material este que – até os dias de hoje, passadas cinco décadas após sua morte – rendeu a Plath o seu reconhecimento no cânone literário. No entanto, a escritora ainda é relativamente mais conhecida pelos dramas de sua vida e pela tragédia de sua morte do que pela sua poesia.
Na opinião do professor José Luís Araújo Lima (1987), a norte-americana é “uma estrada para a apreensão e aprendizagem do real sob o ponto de vista do aprofundamento do eu, dos seus contornos e dos seus mistérios” (p. 196). Além disso, ele escreve que “a sua poesia é um combate feroz pelo descobrimento da identidade, em que avança até os limites da linguagem e da vida” (idem, ibidem). Nessa perspectiva, Ana Cecília Carvalho comenta que encontraremos na poesia de Plath “as marcas da indissociação entre a experiência interna e a escrita”2.
Sylvia Plath apresenta um trabalho de tratamento da linguagem, no qual ela obsessivamente procura construí-la artisticamente. Nesse sentido, José Lima discute os limites desse empreendimento da escritora, tomando como poema inicial “Edge” (tradução em português, “Ponto-limite”), publicado no livro Ariel, de Plath. Para ele, o título desse poema é implacável, uma vez que “anuncia de imediato a experiência dos limites”.
E mais: “Edge” aponta “o contato com as margens da vida e os extremos da linguagem”. Assim como é possível apreender o real à medida que o “eu” aprofunda-se em Sylvia Plath, segundo Lima, também se pode observar o seu recolhimento, conforme acontece em “Edge”. Em “Words” (“Palavras”), há o movimento em que o eu se aprofunda e se recolhe.
Essas e outras reflexões neste artigo são iniciais e não pretendem encerrar a discussão sobre o trabalho poético da escritora norte-americana. O objetivo é dar início a questões que consideramos fundamentais para analisar o processo de construção do trabalho artístico plathiano, que integrará tese de doutoramento, buscando evidenciar a superação da ideia de que a morte trágica da autora é o elemento maior capaz de explicar a sua produção, como se a sua voz não pudesse ser ouvida muito além das angústias e dramas particulares estigmatizados “do ser mulher com depressão”.
Evidentemente, o debate sobre a escrita poética produzida por Plath precisa ser feito de forma a pensar na experiência humana vinculada à literária, porém, mais do que isso, é necessário pesar até que ponto a voz individual feminina na literatura – na condição de mulher escritora – encontra uma recepção capaz de compreendê-la artisticamente, não apenas como “testes projetivos para compor um diagnóstico de sua personalidade supostamente esquizoide”, conforme aponta Carvalho.
Sylvia Plath morreu prematuramente, aos 30 anos de idade, no auge de sua produção literária. Se considerarmos que há um dilema comum a todo poeta, que seria conseguir uma voz própria, “inconfundível e inovadora” por meio da linguagem ou “da prática textual”, como nos diz Rodrigo Garcia Lopes (2007), é válido identificarmos de que maneira a escrita plathiana tenta resolver esse dilema, uma vez que ele exige do(a) autor(a) o esforço para encontrar na linguagem a forma estética que representa a experiência/existência humana, suas contradições e suas relações com o mundo.
Aprisionamento doméstico
Ao examinar a poesia de Sylvia Plath, Jeannine Dobbs (1977) percebe a relação que a poetisa faz às alusões sobre casamento e maternidade. Para Dobbs, a norte-americana explora o que significa ser mulher em termos do conflito tradicional entre família e carreira, assim como outras escritoras contemporâneas. Segundo essa crítica literária, a poesia de Plath apresenta forte resistência com a perspectiva de aprisionamento doméstico como esposa e mãe.
Ainda de acordo com Dobbs, portanto, a vida doméstica parece ser preocupação fundamental nos poemas da escritora, que também apresentam doença, ferimento, tortura, loucura e morte. Ela lembra que a vida de Plath e das pessoas de seu convívio diário foi marcada por dramas: amputação da perna e depois morte do pai, úlcera crônica da mãe, morte da avó e seus próprios problemas de saúde.
Jeannine Dobbs aponta como exemplo da ambivalência da poetisa a personagem Esther, do romance The Bell Jar, único publicado pela escritora. A metáfora central do romance seria a representação literária deste dilema: carreira ou casamento:
Several incidents in The Bell Jar illustrate Plath’s linking of suffering and sin. Bad-girl Doreen flaunts her sexuality (and perhaps, in Esther Greenwood’s eyes, does worse) and gets drunk-sick… (…) Plath’s letters to her mother and her novel both make it explicitly clear that Plath was confused and frustrated by the necessity of defining herself as a woman3 (DOBBS, 1977, p. 11 e 12).
Ainda no ensaio ‘Viciousness in the Kitchen’: Sylvia Plath’s Domestic Poetry, Dobbs comenta que – ao ingressar na universidade – Plath passou a ver a maternidade como uma maneira de ampliar a experiência da vida. Ela conheceu Ted Hughes em 1956, com quem casou-se e teve dois filhos: Frieda e Nicholas:
Plath’s work suggests that the attempt to resolve these feelings failed. Her suicide may have been, to some degree, a final acting out of her belief in punishment, vengeance, of the self on the self, for this failure4 (DOBBS, 1977, p. 3).
The Colossus foi o primeiro livro de poesias de Plath, escrito em 1959 e publicado em 1960. Em Ariel, reúnem-se os principais poemas da escritora. Em ambas as obras, há referências a mulheres dominadas, subjugadas e manipuladas, de acordo com a observação de Jeannine Dobbs. Sexualidade, gravidez e paradoxo também são parte dessa “atmosfera” criada pela produção poética de Plath. Além disso, há “jogo metafórico e imagens nos poemas”. Sobre isso, Dobbs afirma que – raramente – Sylvia Plath é vista como se houvesse “sentimentalismo e fofura” em seus poemas. E conclui seu ensaio dizendo que a ambivalência de Plath em relação aos homens, ao casamento e à maternidade explica o grau em que os seus poemas estão associados ao sofrimento:
She is more often accused of excess hostility, of hysteria. Most of her poems about maternity exhibit these characteristics.
(…) They reflect not only her perception of outer reality, but they project her inner reality as well5 (DOBBS, 1977, p. 9 e 13).
No caso do ensaio de Dobbs, a existência de Plath está vinculada ao aprisionamento doméstico, aos conflitos da mulher que escreve com aquela que é mãe, esposa e “precisa” cumprir os “rituais” comuns ao seu “destino”. Essa perspectiva é uma das interpretações possíveis da produção da escritora norte-americana. Sob outra análise, no entanto, há palavras e sentidos nos poemas selecionados para este trabalho que são indicativos de uma expressão poética que marca a sua voz particular e individual.
Influência e expressão poéticas
De acordo com Eileen Aird (1979), Sylvia Plath recebeu influência de escritores como Robert Lowell, Anne Sexton e Theodore Roethke, nomes aos quais a poetisa rendia admiração e respeito. No entanto, sua fala é a expressão poética própria, criada para ser capaz de afirmar-se como autônoma e única.
Para Aird, os poemas intitulados “Poem for a Birthday” e “Three Women: a Poem for Three Voices”, por exemplo, marcam um período de rápida mudança e desenvolvimento na poesia de Plath. A ensaísta comenta que esse momento é “caracterizado não apenas pelo movimento de escrita” que vai até a construção de “poemas dramáticos que precisam ser falados em voz alta”. Na opinião de Aird, portanto, tal movimento era consciente, o que demonstra o trabalho empreendido pela poetisa:
Sylvia Plath said of her artistic method: ‘I think that personal experience shouldn’t be a kind of shutbox and mirror-looking narcissistic experience. I believe it should be generally relevant to such things as Hiroshima and Dachau and so on.’ The relevance of this to the late poetry is abundantly clear but the process begins with ‘Poem for a Birthday’ where private experience–breakdown and the reasons for it, clinical treatment, pregnancy–is extended through the images which accumulate layer upon layer until it becomes a metaphor for suffering throughout the natural and the human world6 (AIRD, 1979, s/n).
Em “Poem for a Birthday”, Aird identifica a influência de Roethke na estrutura apresentada. Nesse caso, Plath teria aprendido com o poeta americano sobre a possibilidade de capturar a realidade e transformá-la, liberando “o drama interior”:
The poems which Roethke collected in Praise to the End are the most direct influence on Sylvia Plath’s poem which has the same structure of short sections connected by theme and imagery. More importantly Plath’s subjects–madness, loneliness, sexual identity, family relationships, growth and searching–are very close to Roethke’s in poems such as “Dark House”. Sylvia Plath acknowledges Roethke as a major influence in a letter to her mother on 2 February 1961: ‘Ted and I went to a little party the other night to meet the American poet I admire next to Robert Lowell – Ted [for Theodore Roethke]. I’ve always wanted to meet him as I find he is my influence.’ Her debt to Lowell and Sexton is acknowledged later in October 1962 and is a much more general recognition of an exciting mode, a developing convention. For all its raw immediacy, its deliberate assault on the reader’s sensibility, Ariel has a dramatic focus and personae which are pared away by Lowell and Sexton7 (AIRD, 1979, s/n).
Segundo Aird, “Poem for a Birthday” inicia o período de transição que termina com “Three Women”, ambos poemas longos que se juntam para dar a ver o tema da gravidez e do nascimento, “apresentação realista que se funde com uma oposição simbólica entre criatividade e destrutividade”:
Escritura plathiana
Do ponto de vista formal, Sylvia Plath revela uma estrutura variável e hermética no conjunto de poemas reunidos em Ariel, que é constituída de dísticos (“The Night Dances”), tercetos (“Gulliver”), septilhas (“Tulips”), assim como estrofes irregulares (“Getting There”). Em “Words”, ela apresenta quatro quintilhas, formando um agrupamento de 20 versos no total. Considerando que as suas primeiras produções poéticas apresentam dicção tipicamente modernista, a sua fortuna crítica indica a influência que ela recebeu da literatura norte-americana representada, por exemplo, por Ezra Pound e T. S. Eliot.
Nesse sentido, o uso de versos livres, brancos e de estrofação não convencional, que são conquistas do Modernismo, também fez parte da formação de Plath. No entanto, mesmo que tais aquisições literárias se apliquem a outros poetas posteriores a Pound e Eliot, compreendemos que – no caso da escritura plathiana – a poetisa conseguiu sua voz própria, capaz de fazê-la distinta em meio a outros nomes de sua geração.
Em se tratando de Plath, a sua expressão poética preserva, ainda, estruturas de algum modo fixas: em todos os poemas de Ariel, há o emprego de letras maiúsculas iniciando cada um dos versos. Esse aspecto formal não pode e não deve ser desconsiderado na avaliação de sua poesia, uma vez que demonstra preocupação na linguagem:
A seguir, confira íntegra do poema “Words” (1963) e a tradução de Maria Fernanda Borges:
Words Axes After whose stroke the wood rings, And the echoes! Echoes travelling Off from the center like horses. The sap Wells like tears, like the Water striving To re-establish its mirror Over the rock That drops and turns, A white skull, Eaten by weedy greens. Years later I Encounter them on the road — Words dry and riderless, The indefatigable hoof-taps. While From the bottom of the pool, fixed stars Govern a life. |
Palavras Machados, Após cada pancada sua a madeira range, E os ecos! São os ecos que viajam Do centro para fora como cavalos. A seiva Brota como lágrimas, como a Água a esforçar-se Por recompor o seu espelho Sobre a rocha Que pinga e se transforma, Uma caveira branca Comida pelas ervas daninhas. Anos mais tarde Encontro-as no caminho — Palavras secas e indomáveis, Infatigável som de cascos no chão. Enquanto Do fundo do charco estrelas fixas Governam uma vida. |
Nesse poema e em outros, Plath faz com que o leitor ouça o seu texto (cf. CARVALHO, 2003, p. 126). A própria escolha dos signos linguísticos realiza essa tentativa: machados, pancada, madeira que range, ecos, cavalos… Estendendo a perspectiva de interlocução para o poema “Palavras”, há um tom muito agressivo e, talvez, violento, a exemplo dos machados (Axes) (“Machados, / Após cada pancada sua a madeira range”) que parecem representar o interlocutor do poema.
Esses machados provocam ecos “que viajam do centro para fora como cavalos”. Ou, em outros termos, repetidos sons que viajam de dentro do eu lírico para fora, na rapidez ou nos movimentos equivalentes aos galopes de um cavalo. As palavras são essencialmente violentas, brutas e pesadas. “Machados”, “pancadas”, “ervas daninhas”, “caveira branca”, “cascos no chão”… todas elas juntas compõem uma atmosfera densa, tensa e mórbida. No poema, são “estrelas fixas” que “governam uma vida”.
A atmosfera criada por Plath em “Words” é mórbida, e sua imagem de “uma caveira branca” sendo “comida pelas ervas daninhas” conduz o leitor para outra imagem: a de vermes sobre um corpo em putrefação. Plath constrói um poema com referências a corpo (“caveira branca”), sangue (“A seiva/ brota como lágrimas”), putrefação (“ervas daninhas”). As “palavras secas e indomáveis” que a poetisa encontra no caminho ou no processo de criação de seu próprio poema transformam-se em palavras pesadas e violentas. O poema está centrado na morbidez e na violência dos termos e expressões: morbidez e violência condensadas na linguagem poética.
Em Sylvia Plath, o que ela encontra pelo caminho são as “palavras secas e indomáveis”. O seu poema demonstra a estranheza da linguagem, o hermetismo, este como uma das principais características da poesia plathiana, tornando seus escritos ambíguos e subjetivos, como já disse Garcia Lopes. Não sem razão, ele chama a atenção para o fato de que a escrita de Plath não estava limitada ao seu material autobiográfico, como muitos críticos equivocadamente escreveram. Para Lopes, não se pode desprezar o método utilizado pela escritora:
Sylvia Plath não se limita a usar em sua poesia material autobiográfico em estado bruto. Seus poemas são um delírio lapidado por um método. Restringir a leitura de seus poemas ao que a vida da poeta teve de trágico e curioso é desprezar seu método de escrita que tinha, com um de seus paradigmas, o controle absoluto sobre a linguagem (LOPES, 2007, p. 119).
Considerações finais
A escritora norte-americana Sylvia Plath (1932-1963) apresenta em seus poemas certos dilemas da experiência poética enquanto fenômeno de expressão da linguagem e, em outro sentido, as tensões do poeta na condição daquele que depara com as (im)possibilidades e limites da própria criação literária. Além disso, a independência ou relativa liberdade do poeta – no caso de Plath – demonstra, talvez, a sua capacidade de transformar o mundo externo em material elaborado artisticamente e que revela imaginação, criatividade e talento literários.
Nas palavras de Julia Kristeva, o refúgio ao qual Sylvia Plath fora submetida anuncia a “despedida silenciosa da vida” da poetisa. Nesse sentido, a sua morte trágica vai sempre suscitar especulações quanto à criação de seus poemas serem elementos projetivos de seu estado mental. Um exemplo disso é a avaliação possível do poema “Words”, analisado neste trabalho com base na metodologia do close reading, que julgamos ser o tipo de análise mais interessante para este momento.
Em “Words”, a presença de termos e palavras abstratas indica o esvair-se da própria vida. A seiva (sangue) nasce ou surge como um líquido (lágrimas, água) que se esvai ou evapora. Surge como algo cristalino, cujo esforço é no sentido de criar uma condição de reflexo, ainda que seja um reflexo sobre a rocha. Possivelmente, não é somente “a água” no poema da escritora americana que busca recompor o seu espelho, mas a própria voz da mulher que tenta reorganizar sua experiência no mundo, no qual o esforço é encontrar os signos que melhor representem o dissipar ou desfalecer da vida.
Não por acaso, a professora Ana Cecília Carvalho comenta que a poesia de Plath nos mostra “que o fascínio pela morte ocupa o eu e instala-se no próprio centro da fonte da criação literária” (CARVALHO, 2003, p. 231), acrescentando que essa criação, “como qualquer produção do pensamento, provém do trabalho, no sentido técnico do termo, e da elaboração psíquica, que põem em jogo a complexidade dos processos do inconsciente” (idem, p. 176).
Referências
DOBBS, Jeannine (1977). ‘Viciousness in the Kitchen’: Sylvia Plath’s Domestic Poetry, Modern Language Studies, Vol. 7, nº 2, Autumn, 1977: p. 11-25. Disponível em: http://www.sylviaplath.de/plath/dobbs.html. Acessado em ago. 2015.
CARVALHO, Ana Cecília (2003). A poética do suicídio em Sylvia Plath. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
EILEEN, Aird (1979). ‘Poem for a Birthday’ to ‘Three women’: Development in the Poetry of Sylvia Plath, Critical Quarterly, Vol. 21, No. 4, 1979: p. 63-72.
LIMA, J. L. Araújo (1987). Uma linguagem de limites ou os limites da linguagem: o último poema último de Sylvia Plath, Revista da Faculdade do Porto, II Série, IV, p. 173-198, 1987. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2556.pdf.
LOPES, Rodrigo Garcia (2007). Sylvia Plath: delírio lapidado. In: PLATH, Sylvia. Poemas. Organização, tradução, ensaios e notas de Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça. 2ª ed. 2ª. reimp. São Paulo: Iluminuras, 2007.
PLATH, Sylvia. Ariel (1996). Tradução Maria Fernanda Borges. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1996.
PLATH, Sylvia. The Bell Jar (2005). New York: Harper Pernnial, 2005. (Harper Perennial Modern Classics).
PLATH, Sylvia. The Collected Poems (2008). Edited and with an Introduction by Ted Hughes. New York: Harper Perennial, 2008. (Harper Perennial Modern Classics)
III. Obras gerais
GILBERT, Sandra; GUBAR, Susan (1979). Infection in the Sentence: The Woman Writer and the Anxiety of Authorship. Disponível em:
http://firstyear.barnard.edu/legacy/modernism/womanwriter. Acessado em 15 out. 2015.
KRISTEVA, Julia (1986). About Chinese Women. In: The Kristeva reader. Ed. Toril Moi. Translation Margaret Walter. New York: Columbia University Press, 1986, pp. 89-136.
WOOLF, Virginia. Um teto todo seu (1929). Tradução Vera Ribeiro. São Paulo: Editora Nova Fronteira. Disponível em: http://brasil.indymedia.org/media/2007/11/402799.pdf. Acessado em: 25 out. 2015.
25.25 out. 2015.
NOTAS AO TEXTO
1 Conforme tradução livre de C. Schwantes para o português: A louca no sótão: a mulher escritora e a imaginação literária do século XIX.
2 Na opinião de Ana Cecília Carvalho, é importante esclarecer que tal dissociação não deve ser tomada como se os textos de Plath fossem “testes projetivos”.
3 “Alguns incidentes em The Bell Jar ilustram a ligação que Plath faz entre sofrimento e pecado. A garota Doreen ostenta sua sexualidade (e talvez, aos olhos de Esther Greenwood, faça ainda pior) e se embriaga e adoece. As cartas de Plath a sua mãe e o seu romance, ambos deixam claro que Plath estava confusa e frustrada pela necessidade de se definir como mulher” (tradução minha).
4 “As obras de Plath sugerem que a tentativa de resolver esses sentimentos falhou. Seu suicídio pode ter sido, em algum grau, o ato final – contra si mesma – de sua crença em punição e vingança por essa falha” (tradução minha).
5 “Ela é mais frequentemente acusada de hostilidade excessiva ou histeria. A maioria dos seus poemas sobre maternidade exibe essas características. (…) Eles refletem não somente sua percepção da realidade exterior, mas também projetam sua realidade interna” (tradução minha).
6 “Sobre o seu método artístico, Sylvia Plath disse: ‘Eu penso que a experiência pessoal não deve ser uma experiência narcisística de uma caixa fechada ou de se olhar no espelho. Acredito que deva ser relevante para tais coisas como Hiroshima e Dachau e assim por diante’. A relevância disso para sua poesia posterior é abundantemente clara, mas o processo começa com Poem for a Birthday, onde a experiência particular – o colapso e suas razões, tratamento clínico e gravidez – é estendida por meio de imagens que acumulam camada sobre camada até que se torne uma metáfora para o sofrimento natural e humano” (tradução minha).
7 “Os poemas coletados por Roethke em Praise to the End são as influências mais diretas sobre os de Sylvia Plath, os quais têm a mestra estrutura de seções curtas ligadas pelo tema e imagens. Os assuntos mais importantes na obra dela – loucura, solidão, identidade sexual, relacionamentos familiares, crescimento e busca – são muito próximos aos de Roethke, a exemplo de “Dark House”. Em uma carta escrita para sua mãe em 2 de fevereiro de 1961, Sylvia Plath reconhece Roethke como sua principal influência: ‘Ted e eu fomos a uma pequena festa na outra noite para encontrarmos o poeta americano que eu mais admiro além de Robert Lowell – Ted [para Theodore Roethke]. Eu sempre quis encontrá-lo porque reconheço sua influência’. Seu débito a Lowell e Sexton é reconhecido posteriormente em outubro de 1962 e é muito mais um reconhecimento geral de um modo emocionante, uma convenção que se desenvolvia. Por toda sua imediação crua, e ataque deliberado sobre a sensibilidade do leitor, Ariel tem um foco dramático e personagens que são colocados lado a lado por Lowell e Sexton” (tradução minha).