Entrevista a Luiza Lobo por Rosalia Mitsztajn, em 19 de abril de 2018, sob forma de depoimento.
ROSALIA MILSZTAJN FALA DE SUA LITERATURA
Meu primeiro poema surgiu de forma inusitada, aos quase quarenta anos de idade. Como uma música, o primeiro verso veio em minha cabeça durante uma madrugada que me levou a escrever quase para conseguir dormir. E com este verso, aconteceu todo um poema que, de forma lírica, contava sobre minha infância.
Um processo iniciara-se: a revelação de minha identidade de poeta camuflada por traumas de infância. Lembrei-me dos concursos literários dos quais fui vencedora na infância, mas ignorados por minha família, assim como o meu talento de bailarina, artes que não desenvolvi. E, assim, só tardiamente comecei a escrever poesia.
A partir desse poema, que acabou ganhando um concurso, publiquei meu primeiro livro em 1991, chamado No azul, pela editora Imago. Acresci à atividade profissional de médica e psicanalista, que exercia em meu consultório, a frequência em oficinas literárias, como por exemplo, na Biblioteca Nacional, além de participar de saraus, noites e noites de recitação e encontros com poetas, o que fortaleceu meus estudos e leitura intensa de poesia.
Cinco anos depois, em 1996, publiquei meu segundo livro, Itgadal — memória dos ausentes, pela editora Diadorim. Depois veio o terceiro, em 1999, Luminosidades, pela editora 7Letras, logo após ter sido vencedora do Prêmio SESC de Poesia do Rio de Janeiro.
O quarto livro — Aqui dentro de mim – foi publicado pela editora Aeroplano no ano de 2003.
De 2003 até 2010 participei de várias antologias, jornais e publicações, como por exemplo, Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional.
Curiosa com todo o meu processo de escrita, quis aprofundar meus estudos literários com a especialização em Literatura na PUC do Rio de Janeiro que fiz nos anos de 2005/2006.
Somente depois desses sete anos sem publicar livros, inaugurei em minha escrita uma prosa que se revelou em pequenos contos que publiquei no meu quinto livro A história dos seios, pela editora 7Letras, em 2010.
Em 2014 voltei à poesia e publiquei, pela editora Patuá, o livro Esse recorte, que acabou ganhando o Prêmio Literário de Poesia do Pen Clube do Brasil do ano de 2016.
Meu mais recente livro, publicado neste ano de 2018, editado também pela editora Patuá, volta aos pequenos contos e chama-se Era uma vez e outros contos.
Por que poesia?
Poesia, porque ela me chegou pronta dessa forma em minha experiência inaugural da escrita. Como aquilo que muitos não gostam de chamar inspiração.
Com o passar do tempo a espontaneidade cedeu lugar a um trabalho árduo de elaboração, com a escrita juntando-se à inspiração, que precisou ser estimulada e exercitada através de estudos e de leituras de poetas.
Mas acho que tenho uma capacidade de síntese, uns insights também desenvolvidos com a minha profissão de psicanalista e certa franquia ao inconsciente, o que facilita um pouco o acesso ao “ainda”, como dizia o grande Drummond, o lugar onde as palavras nascem e que não estão prontas.
Meus livros e leituras prediletas
Meu livro predileto é o de 2014, Esse recorte, que acho mais bem elaborado, fruto de certa experiência com a escrita de poesia.
Mas tenho também muito apreço pelo meu primeiro livro, No Azul, de 1991, com o qual me revelei poeta e, por último, A história dos seios. de 2010, no qual comecei a esboçar uma pequena prosa poética.
Uma grande parte de minhas leituras foi para estudos em Medicina, a profissão em que me formei; e, por muito tempo, anos, li somente livros de estudos médicos. Depois, como psicanalista, lia praticamente a literatura psicanalítica e pouco tempo me sobrava para a poesia e a literatura em si.
Mas lembro de que lia muito na infância, contos de fadas, Monteiro Lobato, e tudo o que me caía nas mãos. Na adolescência li muitos romances de Machado, Herman Hesse, Graciliano Ramos, A.J, Cronin.
Não me interessavam escritores médicos como Pedro Nava ou Guimarães Rosa, pois ainda não tinha feito essa dobradinha comigo mesma, de médica-psicanalista e poeta. Me interesso por poetas da língua inglesa, francesa e da nossa, como Drummond, Cecília Meireles, Clarice Lispector.
Poesia e prosa com minhas questões judaicas e emocionais
Não escrevo especificamente sobre minha condição judaica, rituais judaicos de luto ou cemitério. Os livros que escrevo são um pouco despertados, isto é, se iniciam com o estímulo, ou um pouco ao sabor daquilo que eu esteja vivendo no momento.
É verdade que meu segundo livro, Itgadal, memória dos ausentes, de 1996, traz alguns desses elementos, pois foi um livro que escrevi enquanto vivia as mortes de entes muito queridos e outras perdas das mais diversas. A escrita desses poemas me remetia à identidade dos meus pais, e me direcionavam aos rituais e cultura religiosas segundo os quais fui criada; escrevendo, eu elaborava essas perdas.
O meu quinto livro, A história dos seios, também se iniciou com uma situação muito forte emocionalmente, com um câncer de mama que, pelo fazer literário, se transformou não em um livro catártico, de autoajuda ou médico, mas um belo livro de pequenas histórias em que a prosa e a poesia se revelaram de um jeito que agradou muito ao público em geral, despertando muito interesse.
Meu último livro já foi lido como pequenas histórias autobiográficas e ao mesmo tempo, como usei a invenção, o novo estilo se aproximou mais de uma prosa poética. Realmente, poderia ter escolhido um romance para descrever melhor a minha história, romanceando-a com minha imaginação, e, talvez ficasse um livro mais grosso. Na verdade, não sei ainda muito bem qual é este estilo que comecei a usar no livro A história dos seios, e que de certa forma continuei no Era uma vez e outros contos, porque os dois são de prosa, mas muito imaginativos, como a poesia. Poema em prosa, talvez, me faz lembrar de Baudelaire ou ainda, Rimbaud em sua Temporada no inferno.
Muitas histórias, ali, são autobiográficas e eu teria muita dificuldade em ser fiel a elas se as colocasse em forma de poesia. Por outro lado, uma prosa sintética talvez seja como uma flecha de percepção, que permite ao leitor se identificar com os contos, apesar de serem autobiográficos. Afinal, certos cheiros, lugares, cores foram vividos também pelo leitor, que pode assim se identificar com os meus contos, e estes saírem de um lugar estreito que é somente a autobiografia, e se universalizarem.
Literatura e Psicanálise
Não distingo meus livros de poesia e de prosa, nem, dentre eles, o do câncer de mama, por terem alguma aproximação com a medicina ou a psicanálise, e de forma alguma seriam didáticos.
Cada livro que escrevo, seja de prosa ou de poesia, revela ou esconde uma parte de minha vida e também estágios de amadurecimento com a escrita e as revelações que me leio e me estudo através deles.
Como mencionei anteriormente, cada livro, pelo menos no começo, nasce inspirado, como também ocorreu com o livro sobre o câncer de mamas. Escrevi por uma necessidade íntima profunda, com nos fala o poeta Rilke, um desejo imperioso que não poderia deixar de realizar. Não com o objetivo didático, médico ou psicanalítico. Aliás, não tinha o objetivo de escrevê-lo, senão, e tão somente, de escrevê-lo.
Acredito que o meu fazer literário não expressa minha atividade psicanalítica ou médica.Talvez qualidades que tenho e que sejam comuns às três funções, ou o estar-no- mundo, que seriam: sensibilidade para apreensão do mundo ao redor, em detalhes, ou seja, uma percepção pelos sentidos, ambas aguçadas; uma grande memória; e uma necessidade de olhar e estar com o outro.