RESENHA SOBRE O LIVRO DEPOIS DA TEORIA,
DE TERRY EAGLETON
Sylvia Maria Campos Teixeira
Universidade Estadual de Santa Cruz, Bahia
EAGLETON, Terry. Depois da teoria: um olhar sobre os Estudos Culturais e o pós-modernismo. Tradução de Maria Lucia Oliveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. 306 p.
Em A função da crítica (1991), Terry Eagleton, um dos últimos intelectuais da década de 1960 e que não renunciou às idéias marxistas, já defendia “a tese de que a crítica contemporânea perdeu toda a relevância social” (1991, p. 1). Em seu novo trabalho, Depois da teoria (2005), olha para trás, em torno e para frente em relação ao campo que ajudou a fundar, e escreve em resposta ao mal-estar teórico da academia ocidental, com um olhar para as conseqüências do 11 de setembro de 2001.
Inicia o livro com a afirmativa: “A idade de ouro da teoria cultural há muito já passou” (p. 11), e lembra-nos também que estamos bem longe dos insights de seus maiores pensadores: Althusser, Barthes, Derrida, Foucault, Kristeva, Lacan. Com essas duas assertivas provocativas e estimulantes, o autor desafia àqueles que procuram compreender o estado do mundo crítico atual.
Nessa perspectiva, em oito capítulos, Eagleton traça a ascensão e queda da teoria desde a década de 1960 até a de 1990; explora os fatores que levaram ao pós-modernismo e oferece as perdas e ganhos da teoria cultural. Nos três últimos capítulos, ele adverte que, numa nova época de globalização e terrorismo, o pacote de idéias conhecidas como pós-modernista não dá mais conta da situação da política atual. Vê igualmente a necessidade de os intelectuais contemporâneos se engajarem num conjunto de tópicos: fundamentalismo/revolução, religião/ética, ser/não-ser – que, para ele, foi largamente ignorado tanto pela academia quanto pelo público.
No capítulo 1, A política da amnésia, Eagleton nos dá uma visão sobre a teoria cultural e seu sucesso entre os críticos da literatura. Segundo ele, esse período já passou e estamos vivendo agora suas conseqüências. Ou seja, numa época na qual as barreiras entre alta e baixa cultura romperam-se e os acadêmicos “(…) trabalham com temas sensacionalistas como vampirismo (…) seres biônicos e filmes pornôs” (p. 15). A partir daí, o autor enfatiza que o maior legado da teoria cultural foi o feminismo e os estudos culturais (cultura popular e pós-colonialismo), com sua crítica ao patriarcado, ao capitalismo, e o reconhecimento que ser o Outro não é sempre uma experiência tão liberadora. Mas que, de acordo com o teórico, ainda continua sendo a eterna questão marxista de luta de classes, porque os pós-modernos apenas mudaram “o foco de classe e nação para etnicidade” (p. 26). Ele contrapõe esta crítica sobre uma teoria amnésica com um comentário laudatório sobre os esforços do movimento anticapitalista inicial, que procurava um equilíbrio entre “globalidade e localidade, diversidade e solidariedade” (p. 39).
Em A ascensão e queda da teoria, Eagleton tenta nos dar uma genealogia da teoria cultural. Nesse capítulo, pinta um quadro completo da briga, da esperança, do desafeto e da inovação que caracterizou a cultura e foi pensado naquela época. E é, na verdade, relevante para nossa compreensão da época atual ler os trabalhos de Foucault, Kristeva, Derrida etc., para imaginarmos como a produção deles inextricavelmente se entrelaçou com os apelos revolucionários de diversos tipos e em diversos lugares – desde os situacionistas na França à liberação neocolonial em Gana. Eventualmente, entretanto, o stalinismo e o capitalismo subjugaram os idealistas da época, e os discursos da cultura assimilaram o que o ativismo político transformou em terror até a submissão. Eagleton chama a atenção para o fato de que “(…) muito da nova teoria dos Estudos Culturais nasceu de um diálogo extraordinariamente criativo com o marxismo” (p. 58). Nesse ponto, parece sugerir que um marxismo liminar pode muito bem dar frutos para aqueles teóricos interessados em fazer mais do que uma asserção sobre o fim da história, jogando com a diferença, o traço e os suplementos perigosos, ou especulares, distantes, sobre a realidade ou a não-realidade de uma guerra.
No terceiro capítulo, O caminho para o pós-modernismo, Eagleton, que continua marxista, analisa, com uma certa dose de ironia, a trajetória da teoria pós-moderna, observando que:
Foi irônico que o pensamento pós-moderno criasse tamanho fetiche em torno da diferença, dado que seu próprio impulso era apagar as distinções entre imagem e realidade, verdade e ficção, história e fabula, ética e estética, cultura e economia, arte culta e arte popular, esquerda e direita política. Ainda assim, enquanto os corretores e financistas estavam tornando Huddersfield e Hong-Kong cada vez mais próximas, os teóricos culturais batalhavam para mantê-las separadas. Enquanto isso, o Fim da História foi complacentemente decretado a partir de uns Estados Unidos que pareciam cada vez mais em risco de terminar com ela de verdade. Não mais existiram conflitos mundiais importantes. Mais tarde ficaria claro que os fundamentalistas islâmicos não estavam prestando suficiente atenção quando esse anúncio foi feito (p. 75).
Contudo, somos levados a discordar de Eagleton quando salienta que a maior diferença entre modernismo e pós-modernismo é de que o pós-modernismo é “(…) ainda muito jovem para se lembrar de uma época na qual existiam (assim diziam os rumores) verdade, identidade e realidade, e em que não sentia nenhum abismo estonteante sob seus pés” (p. 89), e, por isso, paira despreocupadamente sob a proteção do ar “pós-trágico”. Antes pensamos que muito do que é chamado de teoria pós-moderna permitiu que as vozes marginalizadas soassem numa ordem estética e social, dando algum poder para aqueles que, historicamente, jamais o tiveram. E esperaríamos que Eagleton soubesse a diferença, particularmente quando reivindica a teoria pós-colonial e o feminismo como os mais importantes desenvolvimentos na teoria cultural. Não obstante o autor termina sua análise do caminho para o pós-modernismo com a crítica sobre o latente conservadorismo no pós-moderno que se inclina, favorável e inflexivelmente, para análises de micro-narrativas. Não é somente uma recusa firme das grandes narrativas desconfortáveis como “(…) da erudição conservadora (…) que também só acredita apenas no que pode ver e pegar” (p. 106), mas também é “Exatamente no ponto em que começamos a pensar pequeno, a História começou a agir grande” (p. 107). Assim, Eagleton afirma que “A conclusão inescapável tem que começar a pensar de maneira mais ambiciosa (…) para que possa buscar compreender as grandes narrativas nas quais está agora enredada” (p. 107-108). Portanto seu argumento é que a suposta sobrevivência do pós-modernismo, com seu desdém por qualquer teoria ou política que chegue a compreender o mundo, está muito mal equipada para desafiar as destruições do capitalismo e do imperialismo na era da “guerra contra o terror”.
Depois de um início tão combativo, não é nenhuma surpresa que Eagleton declare guerra aos prejuízos da teoria contemporânea pelos títulos dos capítulos subseqüentes: Verdade, virtude e objetividade; Moralidade; Revolução, fundamentos e fundamentalistas; e a morte, o mal e o não-ser.
No quinto capítulo, Eagleton faz sua mais arrojada reivindicação a favor do socialismo, quando afirma:
Uma razão para julgar o socialismo superior ao liberalismo é a crença de que seres humanos são animais políticos não apenas porque, para se realizar, têm que levar em conta as necessidades de realização uns dos outros, mas também porque, de fato, somente atingem sua realização mais profunda quando em reciprocidade (p. 170).
Assim, no presente clima político, não basta escrever sobre tópicos sexuais, ter um diploma ou estar empregado, há a necessidade de escaparmos dos interesses simplistas e dos desinteresses políticos.
No capítulo intitulado Moralidade, o autor explica o conceito do termo. Não se trata de “algo um tanto embaraçoso”, nem “de um nome de fantasia para oprimir outras pessoas” (p. 191). Também não é a moralidade cínica usada pelo governo na questão da guerra ao terror. A moralidade “é toda sobre fruição e abundância de vida” (p. 194). Eagleton, nesse capítulo, também mostra que “Na chamada guerra contra o terrorismo, por exemplo, a palavra ‘mal’ realmente significa: ‘Não procure uma explicação política.’” (p. 194). E que podemos tranqüilamente “(…) ignorar a luta do povo palestino ou a dos árabes que têm sofrido sob sórdidas autocracias de direita apoiadas pelo Ocidente em busca de seus propósitos egoístas, sedentos de petróleo” (p. 194).
Essas declarações não são apenas críticas contra a administração de Bush e/ou de Blair; elas servem de exemplo para o argumento principal de Eagleton: onde está a tradição no pensamento pós-moderno, com os elogios ao relativismo? Como o pós-modernismo poderia dirigir adequadamente os desafios que encaramos na atual situação mundial?
Para ele, se aceitarmos que verdade, objetividade, virtude, mal, entre outras coisas, são reais; podemos, então, dirigir-nos para um verdadeiro engajamento e nós, teóricos, voltaríamos a sermos relevantes.
E, no poderoso capítulo final, no qual evita a natureza do mal e suas manifestações globais passadas e presentes, Eagleton admite que, na verdade, jamais estaremos “depois da teoria”. Em lugar disso, sugere que precisamos voltar, decisivamente, a encarar os urgentes debates sobre a existência e não nos escondermos deles. A única coisa que resta, afinal, é a viabilidade de teorias que reivindicam que as grandes narrativas do bem e do mal, da liberdade e da natureza tenham sido superadas – um erro que até o mais rápido olhar em direção ao Sul poderia confirmar. Eagleton propõe, em vez disso, um começo de novas teorias engajadas com os interesses do mundo e seus habitantes a fim de que possamos atingir um efeito positivo e palpável a esse respeito.
Portanto, na escolha do título, Eagleton não sugere, como poderíamos pensar, que a teoria tenha acabado, mas aponta para uma teoria que se volte para questões mais importantes num mundo pós-11 de setembro, politicamente dominado por uma administração norte-americana arbitrária e ameaças terroristas. Depois da teoria não é simplesmente uma denúncia das fracas tendências acadêmicas atuais, nem uma nova asserção do leninismo ortodoxo, em lugar disso, apresenta um “movimento aberto” em direção a uma reavaliação das tradições filosóficas ocidentais, em particular o marxismo. É uma teoria provocativa e desafiadora que leva o leitor ao cerne de questões fundamentais, propondo à teoria cultural um grande desafio: “(…) romper com a ortodoxia bastante opressiva e explorar novos tópicos (…), no sentido de que não pode haver vida humana reflexiva sem ela” (p. 297).
Referência Bibliográfica
EAGLETON, Terry. A função da crítica. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1991.