RESENHA
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Americanah. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 516 p.
Patricia Maria dos Santos Santana
UFRJ/CAPES
Minicurrículo da resenhadora: Patricia Maria dos Santos Santana é doutoranda em Literatura Comparada pela UFRJ e bolsista da CAPES. Lançou três livros de crítica literária e publicou diversos artigos científicos em renomadas revistas.
Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora nigeriana contemporânea que se tornou bastante conhecida após a sua participação na música “Flawless” da cantora norte-americana Beyoncé. Escreveu obras como Hibisco roxo (2003), Meio sol amarelo (2007), mas Americanah (2013) destaca-se por toda inquietação e denúncia que a obra carrega. O romance de 516 páginas, lançado no Brasil pela Companhia das Letras, tem como pano de fundo uma história de amor para desenvolver e debater assuntos polêmicos.
Nos anos 1990, os então jovens Obinze e Ifemelu vivem um caso de amor. Nesse tempo, a Nigéria passa por momentos difíceis devido ao duro governo militar que possui. Assim, Ifemelu precisa partir e deixar o namorado nigeriano do colegial para tentar viver uma vida digna em outro continente. As greves acadêmicas devido à ditadura militar colocavam em risco a formação universitária de jovens nigerianos e aqueles que conseguiam visto para estudar em outros países eram considerados pessoas de muita sorte. Ifemelu é uma dessas pessoas agraciadas com o visto norte-americano. A garota foi morar com sua tia e primo que já residiam na América e, depois do episódio de 11 de setembro, tornou-se impossível um reencontro para o jovem casal. O amor que construíram com base numa grande cumplicidade é consumido pela distância. Nos Estados Unidos, Ifemelu consegue se formar tornando-se uma mulher vitoriosa financeiramente. Mas ao longo do processo, tudo traz muito sofrimento à moça, um sofrimento relacionado à sua situação como imigrante e também ao fato de ser mulher e negra. O livro toca intimamente em questões universais como imigração, preconceito racial e desigualdade de gênero. As primeiras folhas da obra se encarregam em mostrar ao leitor a cultura americana pelo olhar do estrangeiro, ou seja, a árdua tarefa que o indivíduo que deixou seu país precisa passar ao entrar em contato com uma cultura diferente e agressiva, impregnada de racismo, velado ou não.
Ainda nos Estados Unidos, a personagem mostra o desejo de voltar definitivamente para seu país de origem, deixando incrédulos todos que tomavam conhecimento de sua vontade. Quando descobriam que nem mesmo oferta de emprego ela tinha na Nigéria, as pessoas ficavam ainda mais admiradas. Por que Ifemelu, que se tornara cidadã americana formada em comunicação e mestranda em Princeton, com uma vida promissora nos EUA, desejava morar num país africano paupérrimo e abandonar definitivamente a América? A impressão que temos ao longo da obra é a de que existe um tom autobiográfico e nostálgico na escrita de Adichie. A autora estudou Medicina na Universidade da Nigéria por um ano e meio. Com 19 anos, Adichie deixou a Nigéria e mudou-se para os Estados Unidos. Depois de estudar Comunicação e Ciência Política na Universidade de Drexel, na Filadélfia, ela foi transferida para Eastern Connecticut State University para morar mais perto de sua irmã, que tinha um consultório médico em Coventry. Recebeu diploma de bacharel de Leste, onde se formou summa cum laude em 2001. Em 2003, ela completou o mestrado em Escrita Criativa na Universidade Johns Hopkins. Em 2008, recebeu a titulação de Master of Arts em Estudos Africanos pela Universidade de Yale. Em 2008, Adichie foi premiada com a MacArthur Fellowship. Ela também foi premiada com uma bolsa nos anos de 2011 e 2012 pelo Instituto Radcliffe de Estudos Avançados da Universidade de Harvard. Hoje, a autora divide o seu tempo entre a Nigéria, onde ensina oficinas de escrita, e os Estados Unidos. Assim, Adichie aproveita o romance para mexer com questões pessoais, ressaltando a todo momento problemas de gênero e raça para discussões nas linhas da obra. São questões latentes que não conseguem se dissociar do ser. Antônio Pierucci salienta que a mulher negra carrega em um único corpo dois traços impossíveis de serem disfarçados ou apagados. Esta sobreposição raça/gênero traz dois pesos, representando: “dois processos diferentes, perfeitamente individuáveis em seus efeitos, mas irredutíveis um ao outro, cada qual com sua própria lógica, em constante tensão e contínua transformação, não raro se enfrentando em conflitos insolúveis apesar de entrelaçados para sempre” (PIERUCCI 1999, p.136).
O termo “americanah” é uma gíria usada por Ifemelu e seus amigos para se referirem aos nigerianos que voltavam de temporadas nos Estados Unidos. Esses que retornavam acabavam por forçar um sotaque para ostentar a viagem realizada e, assim, parecerem superiores, uma vez que representava status social viajar e passar um tempo em países como os EUA e a Inglaterra.
Ifemelu retorna à sua terra natal após quinze longos anos e encontra um país diferente a seus olhos. Também decide rever e retomar seu caso com o antigo amor de juventude. E se ela apresentava uma enorme vontade de se mudar de vez para a Nigéria quando ainda estava nos Estados Unidos, a situação muda bastante quando ela chega em sua antiga terra. Por dentro de Ifemelu parece existir curiosamente o impasse do não-lugar também em sua cidade natal. Ela que já tinha se deparado com o problema crucial de despertencimento, ou seja, de não-lugar nos Estados Unidos, ironicamente o sente também na Nigéria. Nos Estados Unidos, a moça não é vista ou aceita como uma cidadã americana e a repulsa da sociedade é mostrada com vigor no que tange à rejeição de imigrantes no seio social americano, principalmente no caso de imigrantes vindos de países pobres, não europeus. Em seu país, por conta de tanto tempo imersa na cultura americana, sua cidadezinha Lagos também causa estranheza e certa repulsa na personagem. É que o estrangeiro aos poucos se naturaliza e absorve, muitas vezes inconscientemente, os modos nativos do lugar onde está. Assim, Ifemelu vive uma eterna tentativa de achar-se no mundo. E talvez por causa disso o livro seja tão fascinante porque ele tem na mulher a sua principal figura. Virginia Woolf em Um teto todo seu relata esse eterno ‘sentir-se estrangeira em relação ao mundo’ pelas mulheres. Woolf diz que a presença das mulheres na literatura, nas artes em geral e nas ciências ocorre mais como tema e não como autora. Woolf conclui que todas as obras do espírito humano (as ciências, as artes, as leis) foram feitas pelos homens. Se a história humana é androcêntrica, cabe às mulheres mudá-la, seja como for e Adichie encontra seus meios particulares de enfrentamento.
O livro é bastante irônico e apresenta uma escrita fluida com muita crítica social. Parece ter sido escrito com o propósito de incomodar. Os personagens são frutos de uma história de preconceito possível de ser vista em muitos lugares. Ademais, a obra lança perguntas no ar: será que o estrangeiro pode mesmo retornar para casa? Será que existe uma casa para a qual ele realmente possa voltar?
REFERÊNCIAS
PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da Diferença. São Paulo: Ed. 34, 1999.
WOOLF, Virgínia. Um teto todo seu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.1