Autor: Graça Aranha
Título: Chanaan, Chanaan
Idiomas: port, fra
Tradutor: Clément Gazet(fra)
Data: 28/12/2004
I
Milkau cavalgava mollemente o cançado cavallo que alugára para ir do Queimado á cidade do Porto do Cachoeiro, no Espírito-Santo.
Os seus olhos de immigrante pasciam na doce redondeza do panorama. N’essa região a terra exprime uma harmonia perfeita no conjuncto das coisas: nem o rio é largo e monstruoso precipitando-se como espantosa torrente, nem a serra se compõe de grandes montanhas, d’essas que enterram a cabeça nas nuvens e fascinam e attráem como inspiradoras de cultos tenebrosos, convidando á morte como a um tentador abrigo… O Santa Maria é um pequeno filho das alturas, ligeiro em seu começo, depois embaraçado longo trecho por pedras que o encachoeiram, e das quaes se livra n’um terrível esforço, mugindo de dor, para alcançar afinal a sua velocidade ardente e alegre. Escapa-se então por entre uma floresta sem grandeza, insinua-se vivaz no seio de collinas torneadas e brandas, que parece entregarem-se complacentes áquella risonha e havida loucura… Ellas por sua vez se alteiam graciosas, vestidas de uma relva curva que suave lhes desce pelos flancos, como tunica fulva, envolvendo-as n’uma caricia quente e infinita. A solidão formada pelo rio e pelos morros era n’aquelle glorioso momento luminosa e calma. Sobre ella não pairava a menor angustia de terror.
Absorto na contemplação, Milkau deixava o cavallo tomar um passo indolente e desencontrado; a rédea cahia frouxa sobre o pescoço do animal, que balançava moroso a cabeça, baixando de quando em quando as palpebras pesadas e longas sobre os olhos viscosos. Tudo era um abandono preguiçoso, um arrastar languido por entre a tranqüilidade da paizagem. Os humildes ruidos da natureza contribuiam para uma voluptuosa sensação de silencio. A aragem mansa, o sussurro do rio, as vozesinhas dos pequeninos insectos ainda tornavam mais sedativa e profunda a inquebrantavel immobilidade das coisas. Interrompia-se alli o ruído incessante da vida, o movimento perturbador que cria e destróe: o próprio sol nascente vinha erguendo-se repousado na calmaria da noite e os seus raios não tinham ainda a potencia de alvoroçar as entranhas da terra socegada. Milkau cahia em longa scisma, funda e consoladora. Quem não esteve em repouso absoluto, não viveu em si mesmo; no turbilhão a sua bocca proferiu accentos que não percebia; hoje, sereno, elle mesmo se espanta do fluido perturbador que emanava dos seus nervos, doloridos e máos. As eternas, as boas, as santas, creações do espirito e do coração são todas geradas nas forças mysteriosas e fecundas do silencio…
Na frente do immigrante vinha como guia um menino, filho de um alugador de ademais no Queimado. O pequeno, muito enfastiado d’aduela viagem e do companheiro, deixava-se conduzir pelo seu velho cavallo. Umas vezes, soltava uma palavra que ficava morta no ar; outras, para se expandir, resmungava com o animal, esporeava-o e o fazia galopar descompassado e arquejante. Milkau n’esses momentos atentada no menino e se compungia deante da trefega e ossuda creança que era essa, rebento fanado de uma raça que se ia extinguindo na dôr surda e inconsciente das especies que nunca chegam a uma florescência superior, a uma plena expansão da individualidade. E o viajante sahia da contemplação, surgia do fundo dos seus pensamentos, e chamando a si o pequeno:
– Então, vens sempre ao Cachoeiro?
– Ah!… disse o menino como que espantado de ouvir uma voz humana… Venho sempre quando ha freguez; ainda ante-hontem vim, mas desde muito não chegava, ninguem da Victoria. Tambem choveu tanto estes dias!…
– De que gostas mais: da tua casa ou da cidade?
– Da cidade, nhor sim.
– Teu serviço em casa de teu pae é só acompanhar os passageiros para o Cachoeiro? continuou Milkau no seu interrogatorio, que despertava e alegrava a creança.
Esta respondeu-lhe agora promptamente:
– Ah! nhor não!
– Que fazes então?
– A gente ajuda o pae… Ás vezes, de madrugadinha, vamos para a pescaria levantar a rede. Hoje, antes do patrão chegar, estavamos já de volta… Tambem foi só cocoróca e um pinguinho… Só quatro… O rio está escasso. Seu Zé Francisco diz que é porque a agua está fria, mas tia Rita diz que agora é tempo de lua e a mãe d’agua não deixa o peixe sahir. O melhor é pescar com bombas; mas o subdelegado não consente e a gente tem que se cançar por nada.
– Ahi no Queimado vocês não têm carne?
– Ah! nhor sim, carne secca na venda do pae, mas é para a freguezia. Nós comemos peixe, quando falta, a gente bebe mingáo…
Continuavam a marchar pela estrada a dentro. A paisagem não variava no desenho; apenas o sol começava a incendiar o espaço. Milkau fitava com bondade o pequeno guia; este sorria agradecido, abrindo os labios descorados, mostrando os dentes verdes e ponteagudos, como afiada serra; mas o rosto macillento se esclarecia com a grande doçura de uma longa resignação de raça.
– Quanto falta para chegarmos, meu filho? perguntou ainda o viajante.
– Mais da metade do caminho; ainda não se avista a fazenda da Samambaia, e de lá á cidade é o mesmo que para o Queimado.
– Tu voltas logo para casa, ou queres descançar um pouco? Fica até á tarde…
– Oh! patrão… O pae diz que eu volte já; hoje é dia de ir com a mãe fazer lenha, após tratar dos animaes, concertar a rêde que a canoa de seu Zé Francisco arrebentou esta madrugada; e nós vamos á noite, antes da lua apparecer, deitar a rêde, porque hoje, si a agua estiver quente, é noite de peixe… O pae disse.
O imigrante compadecido testemunhava n’aquelles nove annos do desgraçado a assombrosa precocidade dos filhos dos miseraveis. O pequeno, animado pela conversa, alinhava-se garboso no velho cavallo, empunhava as redeas com firmeza, fincava as pernas de esqueleto e punha o animal n’um trote esperto. Milkau acompanhava instinctivamente essa actividade, e os dois, assim, fugitiva ligação da piedade e da miseria, avançavam pelo caminho afora.
Pouco tempo depois, n’uma curva da estrada, o menino apontou para deante e voltando-se disse ao companheiro:
– Estamos na Samambaia.
(…).
Fonte: Aranha, Graça [José Pereira de]. Chanaan. 2a.ed. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1922? p. 01-05.
I
Graça Aranha
Milkau chevauchait nonchalamment la bête fatiguée qu’il avait louée pour aller de Queimado à la ville de Porto-de-Cachoeiro, dans l’État d’Espirito-Santo.
Il repaissait ses yeux d’immigrant des suaves contours du paysage. Dans cette région, la nature exprime une harmonie perfaite : la rivièr e n’est pas le large torrent qui se précipite avec impétuosité ; la serra n’est pas formée de ces hautes montagnes qui enfouissent leurs têtes dans les nuées, et fascinent et attirent comme des inspirateurs de culte ténébreux, conviant à la mort, suprême et tentateur refuge… Le Santa-Maria est un enfant des hauteurs, rapide près de sa source, obstrué ensuite par des roches dont il se dégage en un terrible effort, mugissant de douleur, pour recouvrer plus loin sa rapidité ardente et joyeuse. Il se faufile alors au sein d’une forêt sans grandeur ; il s’insinue vivace dans les flancs de collines mollement contournées, semblant se prêter à ses jeux, et qui, à leur tour, s’élèvent gracieuses, vêtues jusqu’à leur ceinture d’un gazon qui les enveloppe sous sa tunique fauve comme d’une chaude caresse. La solitude épandue entre la rivière et les morros. D’alentour était, en ce glorieux moment, lumineuse et calme. Nulle sensation de crainte, nulle appréhension n’en altérait la quiétude.
Absorbé dans sa contemplation, Milkau laissait prendre à sa monture un pas indolent et irrégulier : la bride tombait sur l’encolure de l’animal qui dodelinait de la tête avec un mouvement de ses paupières pesantes. Tout dans la tranquillité du paysage était calme, languide, paresseux abandon. Les bruissements de la nature même participaient à cette voluptueuse sensation de silence. Une brise suave, le murmure du rio, mille voix d’insectes rendaient plus imposante encore et profonde l’immobililé. Là s’interrompait le bruit incessant de la vie, ce mouvement troublant qui crée et qui détruit ; et le soleil, à peine issu du grand calme nocturne, manquait encore de force pour émouvoir les entrailles de la terre endormie.
Milkau tomba dans une longue réverie, profonde et consolatrice. Celui-là n’a point vécu en soi qui ne connut jamais l’absolu repos : dans le tourbillon de la vie, sa bouche a proféré des sons qu’il ne percevait point ; maintenant en possession de la sérénité totale, il s’étonne du fluide agitateur qu’exhalaient naguère ses nerfs douloureux. Les éternelles, les bonnes, les saintes créations de l’esprit et du coeur ont leur source dans les forces mystérieuses et fécondes du silence.
Devant l’immigrant marchait comme guide un enfant, fils du loueur de chevaux de Queimado. Assez mécontent du voyage et aussi de son compagnon, le bambin laissait son vieux cheval le conduire. Parfois el lançait un mot qui mourait en l’air ; ou bien, en manière
de dérivatif à sa maussaderie, il gourmandait sa bête, l’éperonnait, l’obligeait sans nécessité à galoper. Milkau observait l’enfant ; et son âme s’émouvait à l’aspect de cette créature remuante et décharnée, rejeton fané d’une race bientôt éteinte, expirant dans la douleur inconsciente des espèces qui jamais n’atteignirent à la floraison supérieure ni au plein épanouissement de l’individu.
Le voyageur, sortant de sa contemplation, interrogea le petit :
– Alors, tu vas souvent à Cachoeiro ?
– Eh ! dit l’enfant, comme surpris d’ouïr une voix humaine, j’y vais quand des cIients se présentent: avant-hier encore j’y suis allé. Mais depuis quelque temps il ne vient plus personne de Victoria. Aussi, il a tant plu ces jours…
– Que préfères-tu : chez toi ou la ville ?
– La ville, m’sieu.
– Ton service chez ton père consiste-t-il seulement à accompagner les voyageurs à Cachoeiro ? continua Milkau, dont l’interrogation ranimait l’enfant et l’épayait.
Promptement cette fois, il répondit :
– Oh ! m’sieu, non !
– Que fais-tu donc encore ?
– On aide le père… Parfois, à l’aube, on va retirer le filet à la pêcherie. Ainsi ce matin, avant que vous arriviez, nous étions déjà de retour. D’ailleurs, i1 n’y avait que des cocoracos et un pinguin/io… En tout, quatre poissons… La rivière est si basse ! Zé Francisco croit que l’eau est trop froide, mais tante Rita dit que c’est temps de lune, la Mãe d’Agua ne laisse pas sortir le poisson. l.e meilleur serait de pêcher à la dynamite, mais c’est défendu, alors on se fatigue pour rien.
– Vous avez de la viande à Queimado ?
– Ah ! m’sieu, oui ; de la viande séchée, dans la boutique du père ; mais c’est pour les pratiques. Nous, c’est du poisson que nous mangeons, et s’il manque, on a la bouillie de maïs…
Ils continuaient de marcher, suivant leur route… Le paysage ne variait guère : le soleil commençait seulement à incendier l’espace. Milkau examinait toujours avec intérêt son petit guide, qui, reconnaissant, souriait de ses lèvres décolorées, ouvertes sur une rangée de dents verdátres et pointues comme une scie ; le visage émacié s’éclairait cependant de cette douceur où se lit la longue résignation d’une race.
– Combien nous faut-il pour arriver, mon enfant ? demanda encore le voyageur.
– Plus de la moitié du chemin ; on n’aperçoit pas encore la fazenda de Samambaia, et de là à la ville, la distance est la même que d’ici à Queimado.
– Retourneras-tu de suite chez toi, ou préfères-tu te reposer un peu ici ? Reste jusqu’à ce soir…
– Oh ! patron… Le père a dit que je m’en retourne de suite : aujourd’hui c’est jour d’aller au bois avec la mère ; puis il y a les bêtes à soigner ; il faut raccommopder le filet que le canot de Zé Francisco a déchiré ce matin ; ensuite nous irons à la péche ce soir, parce que, aujourd’hui si l’eau est chaude c’est nuit de poisson, le père l’a dit…
L’immigrant, ému de compassion, reconnaissait dans les neuf ans de l’infortuné la surprenante précocité des enfants de misérables. Animé par la conversation, le petit se campait crânement sur son vieux bidet ; d’une main ferme il assurait les rênes, et de ses jambes maigres il pressait les flancs de l’animal qui partit d’un trot plus vif. Instinctivement, Milkau activa lui-mème son allure ; et tous deux ainsi – fugitive liaison de la pitié et de la misère – avançaient par le chemin.
(…).
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Fonte : Aranha, Graça [José Pereira de]. Chanaan. Traduit du portuguais par Clément Gazet. Paris : Plon-Nourrit, 1910.