A INTERVENÇÃO DA LEITURA NA VIDA DO PERSONAGEM MÁRIO, O CARTEIRO DO FILME O CARTEIRO E O POETA


Thaís dos Santos Souza

Universidade Federal de Uberlândia

 
RESUMO: O propósito deste trabalho é analisar à luz da leitura literária a intervenção da leitura na vida do personagem Mario Ruoppolo, o carteiro do filme O carteiro e o poeta, dirigido por Michael Radford. É neste contexto que se pretende analisar a formação e a experiência do personagem leitor, observando de que modo a produção de leitura do leitor é representada no filme, isto é, os modos de se chegar à leitura e os modos de ler do personagem em questão.
 
Palavras-Chaves: Leitura literária – formação de leitor – filme O carteiro e o poeta – Mario Ruoppolo.
 
ABSTRACT: The purpose of this paper is to analyze, in the light of  Literary Reading, the intervention of reading in the life of the character Mario Ruoppolo, the postman in the film Il Postino, directed by Michael Radford. It in this context that the formation and experience of this reading character will be examined. It will be observed how the production of the act of reading on the part of this character is represented in the film, so that we can point what are the ways of reading of this character.
 
Keywords: Literary reading – formation of the reader –  film The Postman and the Poet –  Mario Ruoppolo.
 
Minicurrículo: Thaís dos Santos Souza é graduanda em Licenciatura plena em Letras pela Universidade Federal de Uberlândia e Bacharelanda em Direito pela Universidade de Uberaba. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua portuguesa, literatura e linguística.
 
 
 
A INTERVENÇÃO DA LEITURA NA VIDA DO PERSONAGEM MÁRIO, O CARTEIRO
DO FILME O CARTEIRO E O POETA
 
Thaís dos Santos Souza
 Universidade Federal de Uberlândia
 

  1. INTRODUÇÃO

O carteiro e o poeta foi um dos grandes sucessos do cinema europeu (1994). Dirigido por Michael Radford, ele aborda uma forte amizade entre dois homens separados por diferenças, que são quebradas por um diálogo mediado pela poesia.
Após se exilar de seu país, Pablo Neruda migra para a ilha italiana do Mediterrâneo, onde Mário habita. A maioria dos homens que vivem nessa ilha são pescadores, porém Mário não se conforma em seguir a mesma vida de seu pai, um velho pescador, e, por isso, procura outro emprego. Dessa forma, Mário encontra uma vaga de carteiro para um único endereço, que é a do grande poeta recém-chegado à ilha.
No início, o contato entre o carteiro e o poeta é pouco efetivo, reduzindo-se apenas à entrega de cartas. Contudo, a curiosidade de Mário sobre a Poesia acaba rompendo essa barreira de contato entre eles, e, aos poucos, vão se tornando grandes amigos.
Diante disto, faremos um estudo acerca do personagem Mário, o carteiro, retratando suas experiências de leitura, abordando os modos que chegou à leitura, seu modo de ler e o quanto a leitura interfere em sua vida, procurando abordar, também, o conceito de leitura literária, tentando discorrer sobre a produção do que seja leitura literária e como ela é representada no filme.
 

  1. FORMAÇÃO DE LEITOR E LEITURA LITERÁRIA NO FILME O CARTEIRO E O POETA

“Para formarmos leitores, precisamos ter prazer; o prazer da audição, de se encontrar consigo mesmo, de ser ator e espectador, mesmo que [ela] ainda não [se] saiba ler”. É a partir dessa assertiva de Ana Paula Maranhão1 que iniciaremos nosso estudo sobre a experiência de leitura e sua interferência na vida do personagem Mário, do filme O carteiro e o poeta.
Como bem afirma Ana Paula Maranhão, para a formação de leitores é necessário que o sujeito tenha prazer de ler, mas fica a seguinte questão: Como se faz nascer esse prazer de ler? A resposta está bem relatada nas palavras de José Morais, em seu livro A arte de ler, no qual ele afirma que “Os prazeres da leitura são múltiplos. Lemos para saber, para compreender, para refletir. Lemos também pela beleza da linguagem, para nossa emoção, para nossa perturbação. Lemos para compartilhar. Lemos para sonhar e para aprender a sonhar…”2
Dessa forma, observamos que, para nascer esse prazer de ler, é preciso que o sujeito encontre um interesse no que está lendo, ou seja, é preciso que ele ouça suas emoções; como raiva, tristeza, medo, alegria, liberdade, entre muitas outras sensações. E é por meio das histórias que o leitor irá fazer frutificar esse prazer, abrindo-lhe caminhos novos, fazendo com que ele explore, por meio da leitura, os perigos do mundo, como defende Bruno Bettelheim3. Segundo esse autor, as histórias literárias ajudam o leitor a explorar os perigos do mundo num nível simbólico, não oferecendo regras simplistas ou enigmáticas, mas encorajando o leitor a confiar e a desenvolver seu sistema natural de proteção, seus próprios instintos, suas emoções.
Assim, por meio das emoções se formarão seres pensantes, capazes de estabelecer pontes entre o imaginário e o possível, proporcionando, assim, um conhecimento acerca de nossos sentimentos mais íntimos. Dessa forma, para uma leitura chamar atenção de um leitor, ela deverá despertar essas emoções. Contudo, para isto, ela deverá despertar principalmente a sua curiosidade e imaginação.
Posto isto, passemos a observar esses aspectos relatados no personagem Mário Ruoppolo, homem semianalfabeto, nativo de uma ilha italiana, que se recusa a seguir o mesmo destino de seu pai; um pobre pescador. Ele é um dos personagens-protagonistas do filme O carteiro e o poeta, de Michael Radford. No desenrolar do drama, ele consegue um emprego temporário como carteiro de um único endereço, o de Pablo Neruda, poeta chileno (Prêmio Nobel de Literatura) que chega à ilha em 1953, após ser exilado de seu país por ser comunista.
O contato que passa a ter com o poeta acaba encantando Mário, despertando-lhe a vontade de se tornar poeta também. Mas, no inicio, esse contato não é muito forte. Entretanto, tal relação vai se desdobrando de uma forma significativa, criando-se um laço de amizade muito forte entre o carteiro e o poeta Neruda.
Esse rompimento de barreira de comunicação entre o poeta e Mário é fruto da curiosidade do pobre carteiro acerca da Poesia. Dessa forma, ao perceber o interesse de Mário por poesia, Neruda ensina-lhe um recurso textual bastante presente na poesia, que são as metáforas. Neruda explica para Mário que as metáforas são um recurso verbal/textual, no qual se dirá algo por meio de outra expressão, com forte característica visual, o que enriquece o texto poético. A partir daí, Mário fica encantado com a beleza da linguagem e começa elaborar e refinar seu pensamento literário criando metáforas.
Assim sendo, diante de todo esse novo aprendizado sobre a linguagem e sobre o gênero literário poético, Mário depara com um novo sentimento, que fará florescer ainda mais seu prazer pela leitura literária. Esse novo sentimento é despertado quando Mário conhece a jovem Beatrice, por quem ele irá se apaixonar perdidamente. (Lembre-se aqui que Beatriz é a musa de Dante Alighieri…).
Essa nova paixão fará com que o humilde carteiro se desdobre por meio dos poemas por ele criados, com a ajuda de Neruda, para conquistar a jovem moça. Tal conquista se dá por intermédio de metáforas construídas por Mário e de poemas escritos por Neruda.
Com isso, percebe-se o quanto a leitura literária mudou a vida do humilde carteiro, uma vez que o florescimento do prazer de ler despertou em Mário os prazeres mais belos e profundos que existem, que são a paixão e o amor. Esses sentimentos ajudaram Mário a enriquecer e aperfeiçoar sua linguagem literária.
Diante de tudo isso, Mário foi se tornando um leitor frequente/habitual, rompendo as fronteiras entre as palavras, fazendo com que compreendesse e utilizasse melhor as figuras de linguagem. Com isso, o nível linguístico e literário do carteiro foi aumentando, dando-lhe a oportunidade de observar e descobrir o universo da leitura pela voz, pela entonação e pelo sentido das coisas ao seu redor, frutificando os subsídios cognitivos e linguísticos.
Percebe-se que Mário se encaixa no chamado “nível afetivo”, que, segundo Ana Paula Maranhão, “é o nível no qual o leitor descarrega todas as suas emoções e seus sentimentos, sempre lhes dando um novo significado”4. Nesse momento, ele consegue compreender a função social da leitura, sendo, assim, considerado um leitor formado.
Parafraseando uma passagem de Maria Dinorah, professora e escritora, o livro literário tem o poder de desenvolver no sujeito leitor a criatividade, a sensibilidade, o senso crítico, a sociabilidade e a imaginação. No caso de Mário, a paixão pela poesia e o encantamento pela figura literária desenvolveram nele essa criatividade, essa sensibilidade, esse senso crítico, essa sociabilidade e a imaginação que tanto defende Maria Dinorah.
Dessa forma, ainda nas palavras de Maria Dinorah, para formar um verdadeiro leitor, um leitor no mundo que o rodeia, deve-se ler para aprender a ler, a escrever e a interpretar. E isso que é retratado no filme O carteiro e o poeta, como já dizia Cecília Meireles, confirma que “A literatura melhor é a que o sujeito lê com prazer”.
Foi possível observar que, para a formação de um leitor, é necessário que haja prazer e, mais, que o texto literário provoque uma curiosidade no leitor a ponto de fazê-lo se surpreender e se encantar no decorrer da leitura. Esse prazer nos ajuda a compreender o que seja leitura literária, uma vez que é por meio dela que florescem as emoções discutidas até então, fazendo com que desperte no leitor a imaginação, criatividade e os sentimentos diversos que a leitura literária lhe proporciona.
Assim, fica clara a importância da leitura literária em nossas vidas, uma vez que é por meio dela que é feita a elaboração de um pensamento crítico e coerente que nos permite superar o senso comum. É isso que proporciona ao leitor informações culturais e novas oportunidades. Uma delas é a de conhecer o mundo em que se vive de uma maneira diferente, através das palavras. A leitura literária alimenta à imaginação do sujeito leitor, oferecendo conforto e liberdade, e despertando, assim, o desejo e o prazer de ser um verdadeiro leitor.
Por meio deste estudo, percebemos o poder que as palavras evocam: as metáforas trazidas pelo texto poético propiciam ao leitor um melhor entendimento do mundo. Essas diversas palavras poéticas fazem com que o leitor saboreie as diversas palavras retratadas por meio das figuras de linguagem, recriando, assim, um olhar de mundo totalmente diferente da realidade, o que irá encantar o leitor, palavra por palavra.
A história do carteiro não se prende à tela do cinema, nem às páginas dos livros; ela está presente em nossa realidade, pois convivemos com uma multidão de leitores, que apresentam as mesmas características de Mário. Este, aos poucos, foi conhecendo o ato de ler, o fazer poético, o que fez com que a leitura interferisse totalmente em sua vida.
 
REFERÊNCIAS
ALIARDI, Fabiana Sana; ROCHA, Marcelo da Silva.  A representação da ideologia na obra O carteiro e o poeta. Disponível em: <http://facos.edu.br/publicacoes/revistas/e-lato_sensu/outubro_2012/pdf/a_representacao_da_ideologia_na_obra_o_carteiro_e_o_poeta.pdf>.Acesso em: 22 de jun. 2014.
BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. 11ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. Disponível em: <http://www.usp.br/cje/anexos/pierre/apsicanalisefadas.pdf>. Acesso em: 24 de jun. de 2014.
LINO, Vitor Ferreira; VILELA, José Henrique. Análise do filme O carteiro e o poeta (Il Postino). Programa Especial de Graduação (PEG 2009). Faculdade de Educação. Universidade Federal de Minas Gerais. Orientação: Professora Rosemary DoreHeijmans. Belo Horizonte, maio de 2009. Disponível em:
<http://www.fae.ufmg.br/setimaarte/images/pdf/O%20carteiro%20e%20o%20poeta.pdf>. Disponível em: 22 de jun. de 1014.
MARANHÃO, Ana Paula. Formação do leitor. Disponível em:
< http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp?id=623> . Acesso em: 24 de jun. de 2014.
MORAES, José. A arte de ler. Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora UNESP, 1996. p.12.
 
SCORSOLINI-COMIN, Fabio; SANTOS, Manoel Antônio dos.  Poesia mediada: dialogismo, linguagem e comunicação do filme O carteiro e o poeta. Disponível em:
< http://legacy.unifacef.com.br/rec/ed04/ed04_art03.pdf>. Acesso em: 22 de jun. de 2014.
 
TURCHI, Maria Zaira; SILVA, Vera Maria Tietzmann. Leito formado, leitor em formação. Leitura literária em questão. São Paulo: Cultura acadêmica; ASSIS, SP: ANEP, 2006.
 
NOTAS
[1]MARANHÃO, Ana Paula. Formação do Leitor. Disponível em:
<http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp?id=623> . Acesso em: 24 de jun. de 2014.
2 MORAES, José. A arte de ler. Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora UNESP, 1996. p.12.
3BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. 11ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. Disponível em: <http://www.usp.br/cje/anexos/pierre/apsicanalisefadas.pdf>. Acesso em: 24 de jun. de 2014.
4MARANHÃO, Ana Paula. Formação do Leitor. Disponível em:
<http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp?id=623>. Acesso em: 24 de jun. de 2014.